Outro dia nós saímos para fazer mercado, eu não podia sair
do lado da Gabi nem um minuto. Imagina a situação, o pai empurrando o carrinho, eu ao lado dela
segurando a mãozinha. Quando eu soltava a mãozinha era uma choradeira sem fim,
alguém conseguiu comprar tudo que queria? Não, né... E no mesmo dia ainda tínhamos
que ir à farmácia.
Na primeira farmácia, a minha fera ficou mexendo em todos os
produtos, os cremes de cabelos, nas escovas de dente infantil, na hora de ir embora
ficou parada fazendo bico. Eu chamei várias vezes, só que ela ficou igual uma
estátua com bico. Ela ficou braba porque eu acabei com a brincadeira dela. Gente,
eu cai na gargalhada, o biquinho e a carinha dela eram uma graça e eu não me
contive. Peguei a fera bicuda no colo e levei para a outra farmácia. Até que
ela não deu ataque, foi numa boa sem chilique.
Na segunda farmácia, Gabi
resolveu brincar com tudo que via na frente, ela fez uma bagunça, eu deixei, depois tirei tudo da mão dela e dei
a nossa cesta com as coisas que realmente compraríamos. Ela adorou carregar a
cesta, se sentiu.
Engraçado no mesmo dia, em questão de minutos, era outra
criança. Como pode? Bipolar? Não, não. Isso tudo tem explicação cientifica!
Achei toda a explicação no artigo abaixo da revista Super
Interessante. http://super.abril.com.br/comportamento/a-ciencia-contra-a-birra/
Entenda por que as crianças reagem de forma explosiva diante
dos menores desagrados e aprenda a controlar esses ataques de fúria com a ajuda
da neuropediatria
Não importa de onde você venha: se existem crianças lá, elas
fazem birra. Pode ser o filho de um feirante brasileiro, de um lorde inglês ou
um pequeno candidato ao posto de Dalai Lama, no Tibete – todos são capazes de
se jogar no chão, berrando e esmurrando o piso, diante de fatos triviais como a
recusa do pai em comprar um brinquedo ou a interrupção da diversão com os coleguinhas
na hora de tomar banho.
Se você se pergunta por que coisas tão corriqueiras têm o
poder de tirar os pequenos do sério – e, eles, você -, saiba que a explicação
está no desenvolvimento incompleto de nosso cérebro quando nascemos. A mesma
razão pela qual os filhotes humanos dependem tanto dos pais durante a infância
e a adolescência. Em formação, volta e meia os cérebros dos pequenos parecem
entrar em curto-circuito.
Uma das áreas que não nascem prontas é a parte superior da
massa cinzenta, composta pelo neocórtex. Essa região, que corresponde a 85% do
cérebro, é responsável por capacidades como reflexão, planejamento, imaginação,
pensamento analítico e solução de problemas. Mas nos primeiros anos de vida,
faltam conexões suficientes entre os neurônios que existem lá.
“As crianças nascem com muitas áreas sem a camada de gordura
que reveste os axônios, responsáveis pela transmissão dos sinais cerebrais
entre as células nervosas”, explica o neuropediatra Mauro Muszkat, da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É como se um lustre viesse da
fábrica com todas as lâmpadas, mas, em parte delas, faltassem os fios que
permitem que elas acendam (não se preocupe, mais tarde, por volta dos seis anos
de idade, tudo se iluminará). Na ausência de conexões neuronais adequadas nos
primeiros quatro anos, a atividade mais intensa acontece nas partes inferiores,
mais primitivas.
São as áreas que os cientistas apelidaram de cérebros
reptiliano e mamífero. O primeiro é a parte mais profunda e antiga do cérebro
humano, pouco modificada pela evolução. Para se ter uma ideia, ela é
basicamente igual em todos os vertebrados – o elo perdido entre aquele bebê da
propaganda de fraldas e uma lagartixa. Regula funções básicas relacionadas à
sobrevivência, como fome, respiração e digestão. E reações instintivas de
defesa e ataque, ligadas ao sentido de autopreservação da espécie e à defesa
territorial.
Já o cérebro mamífero é equipado com habilidades para a
convivência e a construção de relações sociais. Também conhecido como cérebro
emocional, inclui o sistema límbico, estrutura cerebral que desperta emoções
fortes, como raiva, medo e estresse associado à separação. Enquanto a parte
mais primitiva do cérebro já vem bem desenvolvida desde o nascimento, a parte
superior – nosso cérebro racional, composto pelo neocórtex e em particular
pelos lobos frontais, que comanda o pensamento racional, a capacidade de
solucionar problemas, criatividade e imaginação – só atinge sua plena
maturidade por volta dos 25 anos de idade.
“É uma das últimas partes do cérebro a se desenvolver, e
permanece em constante construção durante os primeiros anos da vida”, diz o
pediatra e psiquiatra Daniel Siegel em seu livro The Whole Brain Child (algo
como “O cérebro integral do bebê”), sem tradução no Brasil. Por isso, alguns
comportamentos que queremos que nossas crianças demonstrem são praticamente
impossíveis para elas. “A habilidade de tomar decisões equilibradas, controle
emocional, ética e capacidade de prever as consequências de seus atos dependem
de uma parte do cérebro que ainda está em formação, e que não está disponível
para elas todo o tempo”, afirma Siegel, que também é pesquisador na
Universidade da Califórnia.
Cérebros em fúria
Uma crise de birra significa que um de três alarmes – raiva,
medo ou temor da separação – foi acionado na parte inferior, mais primitiva, do
cérebro infantil. Esses sistemas, que fazem, por exemplo, com que o bebê se
sinta terrivelmente inseguro ao menor afastamento dos pais, ou se assuste e
chore diante de um barulho, foram originalmente desenvolvidos para proteger os
filhotes de situações perigosas, como ser devorados por um predador.
“No mundo moderno, os estímulos para acionar os sistemas de
medo ou raiva podem ser você saindo do quarto, uma porta batendo ou um
coleguinha pegando um brinquedo dele”, diz a psicóloga Margot Sunderland,
autora do livro The Science of Parenting (que poderia ser traduzido como “A
Ciência da criação de filhos”), sem edição no Brasil.
“Sem o auxílio da parte superior do cérebro para
racionalizar e se acalmar, o resultado é que a criança fica superexcitada, com
altos níveis de substâncias químicas associadas ao estresse percorrendo seu
corpo e cérebro”, afirma Sunderland, diretora de educação e treinamento no
Centre for Child Mental Health, em Londres.
Nessas situações, a amígdala, uma das regiões da parte
inferior do cérebro, normalmente disparada em situações de perigo, bloqueia as
conexões da parte racional com a parte mais instintiva.
“É como se um portãozinho de segurança fosse colocado na
base de uma escada, tornando o acesso ao cérebro superior inalcançável”, diz
Daniel Siegel. Ou seja: não bastasse o cérebro ainda estar em construção,
quando os pequenos estão sob forte estresse, algumas áreas dele ficam
inacessíveis às crianças pequenas durante o momento da birra. E aí, mesmo sendo
muito bem educada, fica difícil se controlar.
Trabalho em equipe
Até os quatro anos, essa falta de sintonia na cabeça dos
pequenos tem um agravante: nessa idade, os dois hemisférios cerebrais ainda não
trabalham de forma totalmente integrada. Se você já conviveu com uma criança
pequena – seja seu filho, sobrinho ou aquele menino barulhento do apartamento
de cima -, deve ter percebido que até essa idade as crises de fúria parecem
nunca ter fim. Nessa fase, ainda não há fibras mielinizadas suficientes no
corpo caloso, que conecta os dois hemisférios cerebrais.
Como Tico e Teco ainda não se conhecem muito bem, falta um
trabalho em equipe que é crucial para um comportamento equilibrado. Enquanto o
lado esquerdo é responsável pelo pensamento lógico, linear e pela linguagem, o
direito é intuitivo, emocional e não-verbal. Quando esse último trabalha
sozinho, somos dominados por sensações físicas e emoções.
É mais ou menos o que acontece com as crianças de menos de
quatro anos, nas quais esse lado do cérebro é dominante. Elas ainda não têm a
habilidade de recorrer à lógica e às palavras para expressar seus sentimentos e
vivem completamente no presente. “Por isso são capazes de deixar tudo para se
ajoelhar e observar com toda a atenção uma joaninha atravessar a calçada, sem
se preocupar se estão atrasadas”, diz o pediatra. É essa inundação emocional
também que explica a choradeira desproporcional do pequeno simplesmente porque
você não deixou que ele mexesse num objeto na casa que vocês foram visitar.
Driblando o choro
Mas, se não dá para evitar as birras, é possível pelo menos
contorná-las. O truque: tentar ajudar o bebê a integrar melhor as diferentes
partes do cérebro, colocar as cabecinhas para trabalhar de forma coordenada,
com a lógica do lado esquerdo do cérebro ajudando a controlar as emoções do
lado direito, e a parte superior permitindo racionalizar e analisar as reações
instintivas e viscerais da parte inferior. Como acontece com os adultos (pelo
menos é o que esperamos).
Por isso, segundo o pediatra Daniel Siegel, no auge da crise
da criança, quando o hemisfério direito está predominante, o melhor é abordá-la
de forma emocional. Para isso, quando começar a birra, abrace-a, use expressões
faciais empáticas e um tom de voz carinhoso. Traduza em palavras os sentimentos
que ela própria não consegue descrever – já que seu hemisfério esquerdo,
responsável pela linguagem, não está no comando.
Diga frases como: “Eu entendo que você ficou muito chateado
porque seu coleguinha teve de ir embora. É muito chato quando isso acontece”.
Isso vai acalmá-la. Depois, ajude-a a retomar a conexão com o hemisfério
esquerdo, pedindo que ela mesma recorra à linguagem para explicar por que ficou
chateada e propondo alternativas para resolver o problema. Pode dizer algo
como: “O que você acha que a gente pode fazer para ficar divertido de novo? Do
que nós dois poderíamos brincar?”.
Como até os quatro anos de idade a atividade no hemisfério
esquerdo – responsável pelo pensamento lógico – é limitada, não surtirá nenhum
efeito argumentar com a criança. Nem gaste seu latim explicando por que você
não pode comprar aquele brinquedo agora. Mesmo que você seja muito didático, as
probabilidades de que ela entenda são pequenas. Como não existe uma percepção
clara de linearidade e passagem do tempo, tampouco adiantará prometer para
depois. O modo mais rápido de acabar com a birra, sugerem os especialistas, é
atrair a atenção da criança para outra coisa, seja mostrando outro objeto
interessante ou fazendo algo inusitado para distrair a criança do motivo da
crise. Vale mostrar o elevador do shopping ou convidá-la para um passeio na
escada rolante.
Outra estratégia para evitar os acessos de manha é tentar
ajudar a criança a acessar a parte superior do cérebro, em vez de atiçar a
parte inferior, mais reativa e instintiva. Para isso, ao vê-la tentar pegar um
enfeite de vidro na sala, em vez de gritar “não” e impedi-la – o que pode
provocar uma reação furiosa -, proponha algo que a obrigará a considerar um
plano e fazer uma escolha, atividades relacionadas à parte superior do cérebro.
“Vamos brincar lá fora? O que você acha que poderíamos fazer?”.
E se nada disso funcionar, você ainda tem uma opção: colocar
a criança para correr. É sério. A atividade física pode alterar a química
cerebral. Para evitar que os hormônios ligados ao estresse assumam o comando,
convide-a para correr no jardim ou brincar de não deixar o balão cair – e veja
como ela muda de astral.
Paz e amor em família
Outra dica valiosa para evitar birras e diminuir a
quantidade delas a longo prazo: controle-se você também. O neuropediatra Mauro
Muzkat, da Unifesp, alerta que o estado emocional dos pais tem grande impacto
sobre o comportamento dos filhos e o nível de excitação da criança. “Graças aos
neurônios-espelho, as crianças reproduzem desde as expressões até as sensações
dos pais”, diz ele. “Se a criança está tensa, os pais não devem entrar no mesmo
circuito reativo. Isso só vai pôr mais lenha na fogueira”, afirma.
Se, ao contrário, você conseguir manter uma boa atitude cada
vez que um novo acesso de fúria da criança acontecer, terá boas chances de
ajudá-la a programar seu cérebro para ficar mais calma também a longo prazo.
Afinal, pesquisas revelaram que o cérebro é plástico, moldável. Ou seja: as
dicas aqui valem para os momentos de birra, mas poderão surtir efeitos
positivos durante todo o resto da vida da criança.
Sobrevivendo ao shopping
Distrair a atenção é melhor do que prometer para depois
Eu quero agora
As compras mal
começaram e a cada novo corredor a criança pede algo que você não está disposto
a comprar. Começa então um berreiro de enormes proporções.
Depois não
Como a criança tem
limitada a atividade no hemisfério esquerdo do cérebro, que cuida da percepção
de tempo, não vai adiantar prometer para depois.
Ah, o outro…!
O melhor nesse momento é atrair a atenção da criança para
outra coisa, como para aquele ursinho que você trouxe na bolsa e que ela já não
via há algum tempo.
Ponha a birra para correr
A atividade física evita que o mecanismo da birra seja
ativado
Sob estresse, o cérebro da criança bloqueia as conexões da
parte inferior com a superior. Isso impede a criança de recorrer ao neocórtex
para controlar suas emoções quando é contrariada. É aí que começa a explosão de
raiva.
Ao perceber que uma dessas crises se aproxima, coloque a
criança para se movimentar. Vale brincar com um balão ou apostar corrida no
jardim. A atividade física dispara a produção de neurotransmissores associados
ao bem-estar, que evitam que os hormônios do estresse assumam o comando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário